Casa de Cantoneiros do Falacho- Muitas décadas caídas em esquecimento.
Ao
circular pelas estradas mais antigas
da região certamente já se deparou com algumas casas
de cantoneiros, edifícios que de espaço a espaço acompanhavam o
desenvolvimento da rede viária e albergavam as equipas de manutenção
e famílias. Estes pequenos complexos além do pólo habitacional dos
trabalhadores serviam também como área logística para
armazenamento de ferramentas, materiais e alguma maquinaria.
Este
tipo de edifícios era projectado de forma tipificada com apenas duas
variantes para melhor se adaptar à realidade e necessidade dos
locais e, claro está, o número de cantoneiros a destacar por
cantão.
As
comunicações terrestres no Algarve foram até há algumas décadas
muito deficientes, tanto na ligação com o resto do país como a
nível regional. Este facto é bastante referido no século XIX por
visitantes e mesmo por locais cuja necessidade de se deslocarem era
dificultada pelas condicionantes existentes.
Charles
Bonnet na sua Memória sobre o Reino do Algarve tece as suas
Considerações sobre os melhoramentos a fazer no Algarve e no
capítulo dos transportes terrestres escreve, entre muitas outras
críticas e sugestões, “Nesta província, existem na parte
designada por Beira Mar caminhos passáveis no verão e até
transitáveis às viaturas, porém durante a época das chuvas
encontram-se intransponíveis. No restante território- e até mesmo
no trajecto para a capital do reino ao qual não se deveria dar o
pomposo nome de “estrada real” visto ser um simples caminho- o
que existe são atalhos por vezes demasiados escabrosos e apenas
transitáveis a cavalo.”. Este testemunho demonstra o estado e
antiguidade dos “caminhos” que ligavam as povoações do Algarve,
situação que levou muitas décadas a suprir, prolongando-se até
bem dentro do século XX. O primeiro impulso de construção e
melhoria da rede é ainda notado na segunda metade do século XIX e
com ele surgem à semelhança do resto do país as primeiras casas de
cantoneiros. O exemplar que vamos abordar é referido pela primeira
vez no mapa de edifícios de 1889, onze anos mais tarde a casa de
cantoneiros do Falacho na Estrada Real nº 77 surge numa planta
assinada pelo chefe da 2ª Secção de Conservação do Distrito de
Faro, José António Serpa. Segundo a autora da tese As casas dos
cantoneiros do Algarve: da conservação das estradas a património a
conservar, Maria Isabel S. Carneiro, esta é provavelmente a
configuração original do edifício. No ano de 1926 o edifício
encontrava-se desprovido de funções tendo sido pedida a sua
cedência para a instalação da Escola Primária do Falacho, a
conversão do edifício à nova utilização seria custeada pela
autarquia silvense que também realojaria o cantoneiro e forneceria
um local para armazenar as ferramentas. O pedido foi indeferido pela
Administração-Geral das Estradas e Turismo que pretendia continuar
a utilizar o complexo e até proceder a reparações no edifício.
Em
1927 é fundada a Junta Autónoma de Estradas e logo no mesmo ano
ingressa neste organismo o Engenheiro Joaquim Barata Correia que veio
a exercer uma forte influência no Algarve pela prolífera execução
de projectos não só para a JAE, mas também em edifícios como o
Hospital de Misericórdia de Loulé ou o Liceu de Faro. A importância
de Barata Correia para o tecido viário do Algarve prende-se com a
execução do projecto-tipo para as casas de cantoneiros, tal como as
conhecemos hoje, a intervenção na Aldeia do Ameixial, o traçado da
Estrada Nacional 2 entre Almodôvar e Faro, entre outros.
Voltando
à casa de cantoneiros do Falacho procederam-se a arranjos em 1931,
pois o estado do imóvel era já de alguma degradação e
pretendia-se dar continuidade à sua utilização. Em 1937 dá-se a
actualização do edifício já segundo o projecto-tipo de Barata
Correia comum aos restantes edifício planeados para a região. Foi
nesta altura que se acrescentou o frontão com a identificação do
edifício.
Depois
de traçado o breve historial do edifício até ele ter chegado ao
aspecto que ainda hoje ostenta, ainda que muito degradado, não é de
excluir que se procederam algumas modificações a nível funcional
no interior que não alteraram o aspecto. Entre os finais do século
XIX e meados do Século XX a vida deste edifício foi bastante
dinâmica, entre o cumprimento da sua função, um breve período de
indefinição, as renovações e arranjos e nunca esquecendo os
trabalhadores que lá passaram fizeram da casa de cantoneiros do
Falacho um sítio com muito que contar.
O
estado actual de degradação é já elevado e urge intervir e
atribuir funcionalidade ao imóvel de modo a evitar a sua perda. Como
já havia indicado em artigo anterior e Maria Isabel S. Carneiro
também sugere, a conversão em centro interpretativo seria uma
solução e salvaguardaria um património que muitos desconhecemos,
mas que foi imagem de muitas décadas nas nossas estradas, as casas
de cantoneiros e os seus trabalhadores. É certo que numa altura como
esta onde financiamentos e novos projectos culturais muitas vezes são
relegados para um segundo plano, será difícil executar a
revitalização do espaço, mas a sua perda é algo mais grave e que
devia ser evitada.
Foto:
Retirada do blogue Rua dos dias que voam:
http://diasquevoam.blogspot.com
Sugestões
de leitura:
BONNET,
Charles; MESQUITA, José Carlos (estudo introd.); VIEGAS, Maria
Armanda T. Ramalho (trad., actualiz. e notas) - Memória sobre o
Reino do Algarve: descrição geográfica e geológica. Faro:
Secretaria de Estado da Cultura, 1990. Tradução da ed. de Lisboa:
Tip. da Academia Real das Ciências, 1850.
Carneiro,
Maria Isabel S.
As
casas dos cantoneiros do Algarve:
da
conservação das estradas a património a conservar
,
Tese de Mestrado em Estudos do Património apresentada à
Universidade Aberta, Lisboa, 2011
Disponível
em: http://repositorioaberto.univ-ab.pt/handle/10400.2/1821
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