A Gazeta dos Caminhos de Ferro e Armação de Pêra- Algumas sugestões de valorização cultural.
O Verão, estação que rapidamente se aproxima do seu término, traz todos os anos ao Algarve uma grande afluência de turistas, sendo este fenómeno várias vezes estudado do ponto de vista económico mas raramente do histórico. Recentemente tive acesso a alguns números da Gazeta dos Caminhos de Ferro que me suscitaram interesse, especialmente devido a uma sequência de artigos intitulados O Algarve e o seu Turismo, o que me levou à elaboração deste texto.
No entanto, antes de começar parece-me conveniente fazer uma breve apresentação da publicação onde se inserem estes artigos, assim como tecer algumas considerações sobre o autor dos mesmos. A Gazeta dos Caminhos de Ferro era uma publicação fundada em 1888 por Leonildo de Mendonça e Costa que abordava aspectos técnicos da rede ferroviária nacional e das colónias, mas também o que se fazia neste campo pelos mais diversos países. Eram também apresentadas temáticas diversas, como a do Portugal pitoresco que tanto se tentava valorizar naquela época, entre outras. À data de publicação deste série de artigos dedicados ao Algarve esta gazeta era propriedade das herdeiras de Carlos D'Ornellas, o seu anterior director e proprietário, e a direcção estava a cargo do Engenheiro Luís da Costa, também ligado a estas questões dos transportes terrestres.
Agora, que a publicação já está brevemente apresentada, focaremos o autor da série O Algarve e o seu Turismo, o Engenheiro José Manuel Vieira de Barros, profissional da Direcção dos Caminhos de Ferro de Sul e Sueste desde 1923, mais concretamente nos Serviços de Via e Obras de Construção deste organismo. Passou depois para a Direcção-Geral dos Caminhos de Ferro onde permaneceu até 1951, neste ano prosseguiu carreira na recém-criada Direcção -Geral de Transportes Terrestres, onde permaneceu, pelo menos, até 1964, ano da publicação desta série de artigos. Nas palavras da Gazeta, o engenheiro José Vieira de Barros, era tido como “Autoridade em assuntos relativos aos transportes terrestres, é-o também em questões que se referem à indústria do turismo.”. Pelo que pude apurar na leitura do conjunto, José Manuel Vieira de Barros seria conhecedor das redes viárias da costa do Sul da Europa, especialmente do caso francês, sendo possivelmente um estudioso da relação entre a melhoria/criação das vias de comunicação terrestre e o crescimento turístico.
A série O Algarve e o seu Turismo, composta por onze artigos, estende-se do nº 1829 ao nº 1845 da Gazeta , sendo o excerto que proponho abordar proveniente do número 1837, o VII artigo do conjunto. Nesta peça o autor continua a tecer as suas considerações sobre o litoral algarvio traçando um retrato da situação em 1964 e sugerindo o que seria necessário fazer para potenciar a experiência turística. Começa pela Praia da Rocha, e seguindo sempre pela orla costeira até ao término, e deixando também em aberto a temática a tratar no próximo texto, que serão já as praias do concelho de Albufeira. Mas pelo meio vai tecendo algumas considerações, ainda que breves, sobre Armação de Pêra e a sua praia.
Ao iniciar a sua abordagem a Armação faz uma rápida localização geográfica tomando como ponto de referência, a não muito distante ermida da Sr.ª da Rocha, passando logo depois a apresentar de forma elogiosa tanto a povoação como a praia, chegando a dizer que “Esta praia constitui uma autêntica esperança turística, pois, além de ter ótimas (sic) condições para o efeito está com razão a ser muito procurada.”. Continua discorrendo sobre o carácter ideal do clima e do local, apresentando-o como “limpo e extenso” e com um mar dócil, geralmente com águas de boa temperatura. Vieira de Barros refere a existência dos, ainda recentes, Hotel Garbe e o Casino como parte do franco crescimento da “povoaçãozinha”, como chama à aldeia no início deste excerto, fazendo ainda referência a uma pensão de 1ª classe. Também a recente contemporânea marginal ladeada por “edificações de bom gosto” é tida como símbolo de desenvolvimento. Para o autor, impunha-se ainda a criação de mais alojamentos, campismo e espaços de lazer para que Armação fosse a esperança turística que tanto prometia.
Este quadro, ainda que breve, revela a génese da estância balnear que hoje conhecemos, aprazível naquela época e sem tantos atropelos como os que se têm vindo a acumular ao longo de mais de quatro décadas e que tornaram a actual vila num sítio que só se faz valer pela sua praia, pois pouco mais pode oferecer. A tipicidade da “povoaçãozinha” piscatória desapareceu a nível de marcas arquitectónicas, urbanismo e vivências da população, pois hoje pouco há a destacar, ou os resquícios existentes não estão valorizados. A excessiva pressão turística não permite desfrutar devidamente a praia, assim como a escassa oferta cultural tornam Armação de Pêra num caso a pensar. A carência de muitas das exigências que os turistas cada vez mais requisitam (pois sol e praia já não são predicados únicos para o turismo actual) faz-se sentir e joga contra Armação de Pêra se a compararmos com outros destinos não muito longínquos. Felizmente a estrutura hoteleira acima referida ainda funciona, mas há algumas décadas que o espaço recreativo que era o Casino não, e sabe-se que para além do jogo, este tipo de espaços dispõem várias vezes de uma oferta de qualidade cruzando, as mais diversas formas de arte.
O facto de se tornar impraticável uma tranquila visita tanto à praia como à vila em pleno verão, acaba por ser um factor negativo, assim como o desprovimento de uma intervenção cultural activa não focada apenas no período estival, mas sim na continuidade ao longo do ano, pois a população residente dela deve usufruir tanto quanto os turistas. A autarquia e outros órgãos, onde se inclui o sector privado, bem podiam responder a estas necessidades e, mesmo no âmbito do programa Allgarve, ou outros mais adequados, trazer actividades e eventos de qualidade à vila, valorizar o antigo e subaproveitado Casino, ou ainda promover animações de rua.
A recolha de testemunhos, como imagens antigas ao estilo do projecto Algarve Vintage desenvolvido pelo Turismo do Algarve, ou artefactos, seria um bom ponto de partida para a organização de uma exposição futura, que, apelando às memorias e identidade da vila, motivasse a visita, e, ao mesmo tempo, também pudesse mostrar como a Armação descrita na Gazeta dos Caminhos de Ferro era bem mais aprazível proporcionando uma melhor vivência estival que a actual.
Agora, que a publicação já está brevemente apresentada, focaremos o autor da série O Algarve e o seu Turismo, o Engenheiro José Manuel Vieira de Barros, profissional da Direcção dos Caminhos de Ferro de Sul e Sueste desde 1923, mais concretamente nos Serviços de Via e Obras de Construção deste organismo. Passou depois para a Direcção-Geral dos Caminhos de Ferro onde permaneceu até 1951, neste ano prosseguiu carreira na recém-criada Direcção -Geral de Transportes Terrestres, onde permaneceu, pelo menos, até 1964, ano da publicação desta série de artigos. Nas palavras da Gazeta, o engenheiro José Vieira de Barros, era tido como “Autoridade em assuntos relativos aos transportes terrestres, é-o também em questões que se referem à indústria do turismo.”. Pelo que pude apurar na leitura do conjunto, José Manuel Vieira de Barros seria conhecedor das redes viárias da costa do Sul da Europa, especialmente do caso francês, sendo possivelmente um estudioso da relação entre a melhoria/criação das vias de comunicação terrestre e o crescimento turístico.
A série O Algarve e o seu Turismo, composta por onze artigos, estende-se do nº 1829 ao nº 1845 da Gazeta , sendo o excerto que proponho abordar proveniente do número 1837, o VII artigo do conjunto. Nesta peça o autor continua a tecer as suas considerações sobre o litoral algarvio traçando um retrato da situação em 1964 e sugerindo o que seria necessário fazer para potenciar a experiência turística. Começa pela Praia da Rocha, e seguindo sempre pela orla costeira até ao término, e deixando também em aberto a temática a tratar no próximo texto, que serão já as praias do concelho de Albufeira. Mas pelo meio vai tecendo algumas considerações, ainda que breves, sobre Armação de Pêra e a sua praia.
Ao iniciar a sua abordagem a Armação faz uma rápida localização geográfica tomando como ponto de referência, a não muito distante ermida da Sr.ª da Rocha, passando logo depois a apresentar de forma elogiosa tanto a povoação como a praia, chegando a dizer que “Esta praia constitui uma autêntica esperança turística, pois, além de ter ótimas (sic) condições para o efeito está com razão a ser muito procurada.”. Continua discorrendo sobre o carácter ideal do clima e do local, apresentando-o como “limpo e extenso” e com um mar dócil, geralmente com águas de boa temperatura. Vieira de Barros refere a existência dos, ainda recentes, Hotel Garbe e o Casino como parte do franco crescimento da “povoaçãozinha”, como chama à aldeia no início deste excerto, fazendo ainda referência a uma pensão de 1ª classe. Também a recente contemporânea marginal ladeada por “edificações de bom gosto” é tida como símbolo de desenvolvimento. Para o autor, impunha-se ainda a criação de mais alojamentos, campismo e espaços de lazer para que Armação fosse a esperança turística que tanto prometia.
Este quadro, ainda que breve, revela a génese da estância balnear que hoje conhecemos, aprazível naquela época e sem tantos atropelos como os que se têm vindo a acumular ao longo de mais de quatro décadas e que tornaram a actual vila num sítio que só se faz valer pela sua praia, pois pouco mais pode oferecer. A tipicidade da “povoaçãozinha” piscatória desapareceu a nível de marcas arquitectónicas, urbanismo e vivências da população, pois hoje pouco há a destacar, ou os resquícios existentes não estão valorizados. A excessiva pressão turística não permite desfrutar devidamente a praia, assim como a escassa oferta cultural tornam Armação de Pêra num caso a pensar. A carência de muitas das exigências que os turistas cada vez mais requisitam (pois sol e praia já não são predicados únicos para o turismo actual) faz-se sentir e joga contra Armação de Pêra se a compararmos com outros destinos não muito longínquos. Felizmente a estrutura hoteleira acima referida ainda funciona, mas há algumas décadas que o espaço recreativo que era o Casino não, e sabe-se que para além do jogo, este tipo de espaços dispõem várias vezes de uma oferta de qualidade cruzando, as mais diversas formas de arte.
O facto de se tornar impraticável uma tranquila visita tanto à praia como à vila em pleno verão, acaba por ser um factor negativo, assim como o desprovimento de uma intervenção cultural activa não focada apenas no período estival, mas sim na continuidade ao longo do ano, pois a população residente dela deve usufruir tanto quanto os turistas. A autarquia e outros órgãos, onde se inclui o sector privado, bem podiam responder a estas necessidades e, mesmo no âmbito do programa Allgarve, ou outros mais adequados, trazer actividades e eventos de qualidade à vila, valorizar o antigo e subaproveitado Casino, ou ainda promover animações de rua.
A recolha de testemunhos, como imagens antigas ao estilo do projecto Algarve Vintage desenvolvido pelo Turismo do Algarve, ou artefactos, seria um bom ponto de partida para a organização de uma exposição futura, que, apelando às memorias e identidade da vila, motivasse a visita, e, ao mesmo tempo, também pudesse mostrar como a Armação descrita na Gazeta dos Caminhos de Ferro era bem mais aprazível proporcionando uma melhor vivência estival que a actual.
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