Os Castelos de Portugal na Revista dos Centenários- Silves- Nº 12- Dezembro de 1939.



A Revista dos Centenários surge em 1939 como rosto editorial da iniciativa levada a cabo pelo Secretariado de Propaganda Nacional e da Comissão Executiva dos Centenários, criada no seio do órgão de propaganda estatal para organizar as celebrações do Duplo Centenário em 1940 que teria o seu ponto alto com a Exposição do Mundo Português. O Duplo Centenário dizia respeito a duas datas marcantes da história do país, a primeira 1140 marcava a fundação da nacionalidade e a segunda, 1640, a restauração da independência do Reino de Portugal. Numa altura em que para a manutenção da própria ideologia os feitos foram muitas vezes enaltecidos e mesmo empolados,o historicismo surgiu como uma das opções tomadas para transmitir uma imagem de Portugal que não correspondia à vida real da população, mas que relegava o pensamento para um ressurgimento do país como potência.
Esta publicação editada entre 1939 e 1940 no total de 24 números era toda ela recheada de carácter historicista e nacionalista que eram frequentemente acompanhados de outros assuntos de interesse nacional,revista de imprensa e a actualização do estado dos preparativos das celebrações dos Centenários..
Da comissão responsável por esta edição faziam parte diversas figuras de relevo da cultura portuguesa como António Ferro, Júlio Dantas, João Ameal, Cottinelli Telmo, entre muitos outros de diversos quadrantes. Jorge Larcher, o autor do artigo que vamos abordar é disso exemplo, pois possuía uma alta patente militar (Capitão), mas era um interessado e estudioso na área das antigas fortificações, tendo obra editada sobre o tema* .
Na revista nº 12, a que fecha o I Volume , Larcher dedica o seu espaço Castelos de Portugal a duas alcáçovas do sul de Portugal, Alcácer do Sal e Silves, sendo este último o que nos interessa aprofundar.
É de notar que o texto e figuras são de época ainda anterior à campanha da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) em ambos os castelos, um deles mais tarde convertido em Pousada, e o outro um espaço turístico-cultural. Essas campanhas vieram dar uma leitura muito diferente dos monumentos, mas o que vale é que a “honestidade” do organismo interveniente permitiu-lhes elaborar dezenas de boletins sobre as campanhas em diversos monumentos. Esses boletins eram bastante bem documentados com o antes e depois das intervenções, facilitando a quem estuda uma leitura, pois muito desse património ficou verdadeiramente transfigurado.
Debruçando-nos de novo na rubrica do Capitão Jorge Larcher o que apuramos à primeira é o enaltecimento do esforço e persistência que as gentes portuguesas tiveram contra os outros neste caso os sarracenos para conquistar estas praças que eram estratégicas e verdadeiramente influentes no contexto do sul do território actualmente português. Esta distinção das gentes portuguesas face aos outros, neste caso os Sarracenos é muito comum na altura de forma a exaltar os feitos e antiguidade da nação que se via numa situação que podemos transpor para o século XX com os devidos cuidados e distâncias. O Estado Novo receava também uma ascensão política de determinados grupos, neste caso anarco-sindicalistas ou ideologias de matriz socialista, muitas delas importadas da União Soviética e viu no nacionalismo e historicismo uma forma de apelar a, ou mesmo forçar, um nacionalismo assente no passado e avesso a intervenções exteriores, daí a grande celebração da fundação da nacionalidade e restauração da independência. Larcher certamente seria uma pessoa com ligações ou simpatizante do regime e partilharia a ideologia passando-a para textos como o que aqui se aborda.
A páginas 47 após resumidamente ter falado de Alcácer do Sal o autor começa as suas considerações sobre a alcáçova de Silves reforçando a ideia de que era uma das melhor fortificadas do actual Algarve, neste caso surgindo referido como Al-Faghar ou Chencir. Continua discorrendo sobre a beleza e grandeza da Chelb sarracena. Larcher depois dedica o texto aos avanços e recuos dos militares portugueses e cruzados na conquista desta praça de guerra que dotada de bom armazenamento de água por parte das cisternas e provisões se revelou tarefa difícil. Focando-se nos momentos-chave de 1189, quando Sancho I conquista Silves, mas que passado pouco tempo perde o domínio da cidade de novo para os Sarracenos, e a reconquista de 1249 já por D. Afonso III quando a cidade passou definitivamente a fazer parte de Teriitório português. O discurso sempre no tom nacionalista tende a reforçar a ideia da dificuldade que os aguerridos portugueses passaram mas que a persistência e arrojo venceram e colocaram mais um marco na definição do território português.
Mesmo quando muito resumidamente aborda o edifício de um ponto de vista patrimonial Larcher não deixa cair o discurso, falando de como este se encontrava profanado, mas que deve ser mantido como recordação histórica dessas épocas afastadas, em que se afirmou o esfôrço patriótico e a audácia dos valorosos portugueses, que tão abnegadamente se entregaram à cruzada patriótica de dilatar o território e firmar a nacionalidade portuguesa.
Esta exaltação contínua que serve o propósito a que a Comissão Executiva dos Centenários se propôs é de tal forma introduzida no texto que aspectos que certamente mesmo na época, interessariam ao leitor são relegados para um plano muito secundário, como o estado do monumento que se resume à palavra profanado ou então às características da fortificação que é descrita apenas como apresentando acentuados traços da arquitectura mourisca.
A Revista dos Centenários é uma publicação que a vários títulos demonstra o rumo ideológico tomado nos anos 30 e 40 do regime governado por Salazar e a forma como a História foi utilizada para moldar a opinião da população. O rumo estético é também possível de apurar pela publicação e outro motivo de estudo quer a nível gráfico, do registo fotográfico ou pormenores arquitectónicos existentes na publicação. Pode-se afirmar que este conjunto de 24 publicações é um breviário do pensamento e acção do Estado Novo para a sua primeira década de governação.




* LARCHER, Jorge das Neves, Castelos de Portugal, Lisboa, 1933

Comentários

Excelente Blog!

Parabéns!
Manuel Ramos disse…
Caro Marco,
O postal escolhido, embora tenha como legenda "Castelo de Silves", é do de Alcácer do Sal.
Oportuno, e interessante, o artigo.
Manuel Ramos disse…
Caro Marco,
Assunto muito esquecido e interessante.
Porém,o postal escolhido para ilustração é do castelo de Alcácer do Sal, ainda que esteja legendado, "de origem", como de Silves...
um abraço.
Obrigado pelo reparo Manuel! Agora depois da chamada de atenção é que olhei com olhos de ver e nem percebo como é que fiz esta "asneira". É verdade que a DGEMN alterou e bastante a fisionomia, mas é notório que se trata de Alcácer. :)

Abraço

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