Soluções e Técnicas Tradicionais- O Grés Vermelho






Neste segundo artigo dedicado às soluções e técnicas tradicionais será abordada uma matéria-prima que ao longo dos milénios tem vindo a ser utilizada dada a sua disponibilidade, facilidade de utilização e expressividade cromática.
O arenito ou grés vermelho, também conhecido como grés de Silves, surge na paisagem como uma faixa que se “intromete” entre o calcário, predominante no barrocal, e os xistos característicos do território serrano algarvio, excepção feita à área de sienitos de Monchique. Não querendo enveredar por especificidades geomorfológicas por não ser entendido na matéria, busca-se aqui demonstrar a importância histórica e cultural desta rocha.
As comunidades pré-históricas no seu processo de sedentarização, decorrente do desenvolvimento da agricultura e dos povoados aperceberam-se do impacte visual que esta rocha causa, o que aliado à sua disponibilidade em determinadas áreas, fez com que estas adoptassem o grés de Silves como matéria-prima para os seus alinhamentos de menires, como ainda hoje é possível comprovar nos exemplares dos conjuntos de Gregórios/ Vilarinha ou Abrotiais ou mesmo na edificação de monumentos funerários, como é o caso da Anta da Pedreirinha, não muito longe da Amorosa.
A constante evolução técnica e tecnológica trouxe novas utilizações para a matéria-prima, mas antes temos que referir o interessante aproveitamento das superfícies dos afloramentos para a implantação de necrópoles durante o chamado período visigótico. É possível visitar estes monumentos em percurso marcado na área de Vale Fuzeiros, existindo também semelhantes vestígios, embora de acesso bem mais complicado, próximos da aldeia do Falacho.
A utilização na construção como elemento principal ou então misturado com outros componentes tem sido recorrente quase até aos dias de hoje, podemos ver a sua utilização nas alvenarias, misturada com as argamassas ou em edifícios em taipa ou adobe no embasamento onde assentam as paredes. A um nível mais monumental, mas não esquecendo a função estrutural temos exemplares bem interessantes da utilização do arenito vermelho, como os interiores de algumas igrejas, exemplos da Matriz de Messines, da capela-mor da ermida de Nossa Sra. Dos Mártires ou da cabeceira da Sé De Silves. Aqui nestes três exemplos o estrutural funde-se com os aspectos simbólico e decorativo, talvez se a matéria-prima escolhida fosse outra estes seriam menos emblemáticos.
Para fortalecer a estrutura foi sempre utilizado o aparelho de pedra aliado à taipa para conferir robustez às linhas de muralhas que guardavam Silves, de que hoje só resta a alcáçova, algumas torres e vestígios de muralha, certamente o mesmo se terá passado com outras fortificações no concelho hoje desaparecidas.
Na arquitectura civil e popular tem sido usado para além das utilizações já faladas na construção, mas também para cantarias, pavimentos e degraus. Em Alcantarilha, por exemplo, existem vãos de portas de casas do século XVI executados nesta rocha, ou a conhecida janela no Largo D. Jerónimo Osório em Silves, também da mesma época. Se caminharmos nas ruas mais antigas de encosta em Messines existem alguns exemplares de arquitectura popular, mesmo até do século XX, onde por uma questão de expressividade e certamente disponibilidade se optou pelo material local.
Até meados do século XX era também utilizado nas divisões de terreno para a edificação de valados e muros de contenção na maior parte das vezes sem qualquer tipo de argamassa, apenas sobrepondo as pedras entre si.
A exposição aos elementos naturais, como em qualquer rocha, causa erosão, mas no caso do arenito vermelho dada a sua composição, a rocha, começa a esboroar-se ficando seriamente afectada em poucos séculos. Se atentarmos nas laterais da escadaria da Matriz de Messines, de intervenção barroca (século XVIII) é já bastante notória a acção dos elementos. Esta característica traz preocupações acrescidas de conservação que não podem ser descuradas.
Antes de terminar há ainda que realçar o cariz utilitário desta matéria-prima que, para além da sua utilização na construção, deu origem a pedras de afiar e “rebolos” para uso doméstico e profissional.
Como se pode verificar o Grés de Silves é transversal a todos os períodos de ocupação humana deste território, o que certamente a torna um valor identitário e uma marca cultural que pode muito bem ser explorada. Do ponto de vista geológico ainda atrai a curiosidade de especialistas e interessados na disciplina. A coloração e textura causa também impacto no visitante, que geralmente, aprecia bastante as visitas aos monumentos e percursos arqueológicos dada a singularidade dos objectos visitados. Mais uma vez é um exemplo de um produto autóctone que pode potenciar o interesse cultural na região, e com isto trazer pessoas e receitas que bem são necessárias nos tempos que vivemos. Além da perspectiva financeira temos que pensar do ponto de vista da troca de experiências e saberes que este tipo de dinâmica provoca. A valorização e divulgação deste recurso, fazendo uso de uma identidade própria é também uma hipótese para se demarcar da restante oferta turística e cultural do Algarve. A diferenciação é importante na promoção e tendo nós a possibilidade de a realçar, só temos a ganhar se partilharmos com todos a existência deste bem que nos acompanha desde sempre.

Comentários

Unknown disse…
Boa tarde,

Antes de mais, parabéns pelo texto. Está muito interessante, bem escrito e é bastante esclarecedor.

Dirijo-me com uma dúvida/pergunta um tanto pertinente, que espero poder elucidar. O Convento de São Francisco em Portimão tem, no seu claustro e por outros espaços do edifício, uma pedra muito semelhante ao que descreve como "grés de Silves" e creio já ter lido algures que a pedra utilizada no convento era oriunda de Silves. Pode ser pura especulação minha e esse "lido algures" uma tremenda ilusão. Em todo o caso, como não vi referência a isso no seu texto, e partindo do pressuposto que conhece (mais que não seja superficialmente) o dito Convento de São Francisco, lanço-lhe a questão e gostaria de saber a sua opinião quanto ao assunto, se lhe parecer conveniente.

Muito agradecida,
Rita Ceríaco Pereira.
Boa tarde Rita,

Obrigado pelo comentário.
Apesar de ser conhecido como Grés de Silves, este tipo de arenito vermelho encontra-se também noutros pontos do Algarve como por exemplo, no concelho de Loulé em Querença ou não muito longe da Rocha da Pena, ou mais distante no concelho de VRSA perto da Aldeia de Sta. Rita. Não é impossível que tenha vindo de Silves (concelho), mas possivelmente existirão filões no concelho de Portimão que possam ter servido para a extracção desta matéria-prima. Apenas um registo escrito (que desconheço se existe ou não) poderia desfazer essa dúvida, pode ser que um dia surja...


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